Blog Clara Nunes: Revista Época-m30 anos sem Clara Nunes

02 abril 2013

Revista Época-m30 anos sem Clara Nunes


CLARA NUNES - 02/04/2013 07h00
TAMANHO DO TEXTO

Trinta anos sem Clara Nunes

Cantora ainda é celebrada como uma das maiores representantes da música popular brasileira. Baú da artista guarda raridades, como o áudio de um show feito em Abdijan, na Costa do Marfim

DANILO CASALETTI
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Clara Nunes (Foto: Paulo Wrencher / Agência O Globo)

Clara Nunes não gostava de ser chamada de sambista. Embora essa imagem persista 30 anos após a sua morte, completados nesta terça-feira (2). E, realmente, Clara era muito mais que isso. “Ela detestava o termo sambista. Achava-o reducionista. Ela se considerava uma intérprete da MPB”, diz o jornalista Vagner Fernandes, autor da biografia Clara Nunes – Guerreira da Utopia(2007).
Clara nasceu em Caetanópolis, em Minas Gerais, em 1942, e começou sua carreira no final da década de 50 cantando em estações de rádio de Belo Horizonte. Em 1966, gravou seu primeiro disco, A voz adorável de Clara Nunes, com sambas-canção e boleros. A gravadora Odeon (atualmente EMI), na qual Clara gravou todos os seus discos, queria que a cantora fosse uma espécie de Altemar Dutra – cantor romântico de sucesso na época – de saias.
Mas Clara conseguiu escapar da armadilha de seguir uma receita para alcançar o estrelato. No início da década de 70, com apoio do produtor Adelzon Alves, reinventou-se como artista. Com o samba “Você passa e eu acho graça”, de Carlos Imperial e Ataulfo Alves, inaugurou uma nova fase na carreira. Essa sim, de muito sucesso. Em entrevista ao jornal O Globo, em 1973, a cantora declarou: “Eu não tinha alguém que ouvisse os meus planos e aceitasse as minhas pesquisas. Ele (Adelzon) ouviu, me deu o apoio necessário”, disse.
Nas “pesquisas” de Clara estava o resgate de compositores como Candeia, Cartola e Nelson Cavaquinho e, na segunda metade da década de 70, um mergulho nas raízes afro-brasileiras. “Ao longo de sua trajetória, Clara provou que podia cantar muito bem diversos compositores, como Luiz Gonzaga, Chico Buarque e Vinicius de Moraes, além de diversos ritmos”, diz Vagner Fernandes.
Um dos registros que ilustra muito bem a pluralidade de Clara é o CD O poeta, a moça e o violão, gravação do show que a cantora fez em 1973 ao lado de Vinicius de Moraes e Toquinho. “Na época, Clara despontava com todo talento que acabaria confirmado ao longo de sua carreira”, diz Toquinho. O cantor e compositor diz ainda que a cantora era uma pessoa especial. “Doce na convivência e extremamente profissional, interessada e envolvente. Além do talento como intérprete afinadíssima, com um timbre de voz forte e vibrante, completado pela graciosa presença de palco”, afirma.

Clara Nunes, Vinicius de Moraes e Toquinho (Foto: Arquivo Agência O Globo)


Parte da postura no palco, Clara adquiriu no período no qual trabalhou na peça “Brasileiro Profissão Esperança”, em 1974, ao lado do ator Paulo Gracindo, dirigida por Bibi Ferreira. Com Bibi, Clara ganhou teatralidade.
Da segunda metade da década de 70 até seu último disco, em 1982, Clara intensificou seu mergulho nas raízes afro-brasileiras e no samba. Levou para o palco, sempre com muita receptividade, canções que traziam elementos do candomblé, sua religião, garimpou novos compositores – sem se esquecer dos tradicionais, sobretudo os da Portela, sua escola de samba do coração – e emplacou sucessos como “Canto das três raças”, “O mar serenou”, “Coisa da antiga”, “Guerreira”, “Feira de mangaio”, “Morena de Angola” e “Portela na avenida”.
Para o biógrafo Vagner Fernandes, o repertório e a atitude de Clara no palco revelavam muito mais que uma opção artística. “Clara era mulher séria, mas muito doce. E tinha a música como instrumento de conciliação”, diz. “A maneira como ela se posicionava era muito particular. A estética dela, não visual, mas sonora, de buscar nossas raízes africanas, refletia seu posicionamento político”, afirma Fernandes.
A sofrida morte da cantora, no dia 2 de abril de 1983, aos 39 anos, após quase um mês em coma em decorrência de um choque anafilático, ajudou na criação do mito Clara Nunes. Na época, as especulações em torno da morte da cantora foram inúmeras: tentativa de inseminação artificial, aborto e até uma surra que teria sido dado pelo marido, o compositor Paulo César Pinheiro, de quem Clara gravou inúmeras canções. O biógrafo refuta todas, além de considerá-las fantasiosas.

Clara Nunes (Foto: Arquivo Agência O Globo)













O fato é que Clara internou-se para fazer uma cirurgia simples para a retirada de varizes. Segundo Fernandes, Clara havia ficado traumatizada com a morte da amiga Elis Regina, um ano antes. Como a cantora foi autopsiada, Clara ficou com pavor de corte e, por isso, pediu que o médico usasse uma anestesia geral e não a peridural (anestesia aplicada nas costas, entre as vértebras). Um erro médico também foi uma das hipóteses ventiladas na época. “Para escrever o livro, consultei a sindicância aberta pelo Cremerj (Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro) e não há nenhum indício de erro médico. Foi uma fatalidade”, diz Fernandes.

Baú de Clara ainda guarda raridades
Clara Nunes (Foto: Manoel Soares / Agência O Globo)

Embora figure nas listas das mais importantes cantoras brasileiras, o legado de Clara Nunes não teve, depois de sua morte, a garimpagem que merecia. Em comparação com Elis Regina, por exemplo, que já teve pelo menos uma dezena de CDs e DVDs lançados com materiais raros ou inéditos, as iniciativas em torno da obra de Clara são ínfimas. Além da biografiaClara Nunes – Guerreira da Utopia, de Vagner Fernandes, atualmente esgotada, apenas um DVD com clipes que Clara gravou para o programa Fantástico e uma caixa que reuniu o relançamento de seus discos, também em edição já esgotada, fizeram a alegria dos admiradores de Clara nos últimos 30 anos.
Material não falta. Fernandes, que atualmente trabalha em uma edição revista e ampliada do livro que escreveu sobre a cantora mineira, pretende incluir, na nova edição, dois áudios do show “Sabiá sabiô”, que Clara faria com o compositor Hermínio Bello de Carvalho, em 1972. São eles "Mané fogueteiro" (João de Barro) e "Quando o carnaval chegar" (Chico Buarque). “Um dos grandes sonhos de Clara era trabalhar com o Hermínio. Mas, em meio aos ensaios, houve um desentendimento e ele deixou o projeto. Clara ficou tristíssima”, diz Fernandes. 
Há mais: dois shows completos da década de 70 gravados pelo produtor Genival Barros. Um é o registro da apresentação de Clara em Abdijan, na Costa do Marfim (África), da segunda vez que Clara fez shows em território africano. O outro traz a gravação da turnê Sabor bem Brasil, de 1978, na qual Clara rodou ao país em um show coletivo ao lado de Waldir Azevedo, Altamiro Carrilho, Caçulinha, Geraldo Vespar, João Bosco e Luiz Gonzaga. 
O desafio agora é conseguir a autorização de todos os músicos e herdeiros envolvidos nas gravações para que elas possam ser lançadas. “Tem herdeiro que pede uma quantia alta, o que inviabiliza o projeto. Por que a gravadora gastaria R$200 mil em um produto que deve render R$ 5 ou R$ 10 mil?”, diz Fernandes. No ano passado, um impasse de valores entre músicos e a Universal Music abortou o projeto de colocar nas lojas um registro raro da cantora Elis Regina.
A gravadora EMI, que detém toda a obra de Clara, prometeu relançar a caixa com os CDs da cantora. Há planos também de lançar um DVD com um especial que Clara gravou para a televisão em 1973. Procurada por ÉPOCA, a EMI disse que a intenção é lançar os dois produtos ainda no primeiro semestre de 2013.

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