Blog Clara Nunes: 2018

29 novembro 2018

Livro- Guerreira, análise do LP

Por Mauro Ferreira, G1
 
Construída inteiramente na gravadora Odeon entre 1966 e 1982, a obra fonográfica da cantora mineira permanece como uma das discografias mais luminosas da música brasileira, em especial do samba, ritmo dominante no repertório mestiço da artista.
Dos 16 álbuns de Clara lançados antes de a cantora comover o Brasil ao sair de cena aos 41 anos incompletos, vítima de complicações decorrentes do que deveria ter sido uma simples operação de varizes, Guerreira (1978) é o que mais bem reforçou a identidade afro-brasileira da cantora quando a carreira de Clara já estava consolidada.
Inclusive por trazer o samba-título Guerreira (1978), no qual Clara se reapresentou para o público com versos alusivos a outro samba-tributo, Mineira (1975), sucesso na voz de João Nogueira (1941 – 2000), parceiro de Paulo César Pinheiro na composição dos dois sambas.
Não por acaso, um dos epítetos de Clara foi justamente Guerreira, nome do álbum de 1978 e do samba lançado neste disco cujo repertório também destacou os sambas Mente (Eduardo Gudin e Paulo Vanzolini, 1978) e Candongueiro (Wilson Moreira e Nei Lopes, 1978).
Também não por acaso, Guerreira foi o álbum da cantora escolhido pela professora carioca de literatura Giovanna Dealtry para ser analisado no mais novo título da série O livro do disco, da editora Cobogó.
Capa do livro 'Clara Nunes – Guerreira' — Foto: Divulgação / Editora CobogóCapa do livro 'Clara Nunes – Guerreira' — Foto: Divulgação / Editora Cobogó
Capa do livro 'Clara Nunes – Guerreira' — Foto: Divulgação / Editora Cobogó
Disponível no mercado neste mês de novembro de 2018, 40 anos após o lançamento do álbum que repõe em foco, o livro Clara Nunes – Guerreira tem narrativa sucinta que vai soar até rasa para quem conhece bem a história e a discografia da cantora.
Erro primário na página 32 – o de associar o samba Tristeza pé no chão(Armando Fernandes), gravado e lançado por Clara em 1973, ao consagrador repertório do já mencionado álbum Alvorecer, de 1974 – sinaliza o pouco conhecimento que a autora provavelmente tem da obra de Clara.
Mas esse erro jamais tira o mérito de Dealtry de ter criado narrativa em que analisa o álbum Guerreira a partir da construção da identidade afro-brasileira adotada por Clara a partir de 1971.
Foi nesse ano de 1971 que a cantora aderiu definitivamente ao samba, mas sem jamais se restringir somente a ele, com imagem e som idealizados pelo radialista e produtor musical Adelzon Alves, arquiteto inclusive do visual que seria adotado pela cantora a partir de então.
Para quem conhece Clara Nunes, essa opção narrativa soa até óbvia, mas faz sentido no desenvolvimento do texto desta pequena tese em que a autora entra especificamente na análise do disco a partir da página 50, bem na metade do livro.
As primeiras 50 páginas são ocupadas com perfil biográfico da cantora, escrito com base em informações extraídas de outros livros e de reportagens em jornais e revistas.
Clara Nunes tem álbum de 1978 dissecado em título da série 'O livro do disco' — Foto: Divulgação / Wilton MontenegroClara Nunes tem álbum de 1978 dissecado em título da série 'O livro do disco' — Foto: Divulgação / Wilton Montenegro
Clara Nunes tem álbum de 1978 dissecado em título da série 'O livro do disco' — Foto: Divulgação / Wilton Montenegro
A melhor parte da narrativa é quando Dealtry fala sobre as músicas que compõem o repertório do álbum Guerreira. Em vez de analisar separadamente as faixas do disco, a autora optou por alocá-las por afinidade em três blocos distintos intitulados Luta e resistência (no qual discorre sobre sambas que adquiriram caráter político pela exposição da saga do povo negro em busca de liberdade, igualdade e autonomia), A batida do meu coração (no qual foram agrupadas as músicas mais românticas) e Minha gente do morro (com sambas de compositores da Portela e de comunidades como a do Morro de Mangueira).
Cada um dos três blocos poderia ter sido mais desenvolvido, soando demasiadamente sintéticos. De todo modo, o livro do disco Guerreira é indicado sobretudo para quem quer se iniciar no universo afro-brasileiro de Clara Nunes, cujo canto sagrado ainda ecoa pelos terreiros do pais, como provam os numerosos – e geralmente dispensáveis... – tributos prestados em disco e shows a essa luminosa cantora do Brasil. (Cotação: * * *)
 — Foto: Editoria de Arte / G1 — Foto: Editoria de Arte / G1— Foto: Editoria de Arte / G1

19 novembro 2018

Samba enredo da Portela 2019- Clara Nunes homenageada

Por Mauro Ferreira, G1
 
             
Com capa que expõe foto do desfile campeão da escola Beija-Flor no Carnaval deste ano de 2018, o disco Sambas de enredo 2019 chega ao mercado fonográfico nesta segunda quinzena de novembro.
O disco traz os registros oficiais dos sambas com os quais as 14 agremiações do Grupo Especial do Carnaval do Rio de Janeiro vão disputar o título em 2019.
Um dos sambas com maior potencial – até pela empatia popular do enredo em tributo à cantora mineira Clara Nunes (1942 – 1983) – é o da Portela, uma das duas escolas campeãs do Carnaval carioca de 2017.
Capa do disco 'Sambas de enredo 2019' — Foto: DivulgaçãoCapa do disco 'Sambas de enredo 2019' — Foto: DivulgaçãoCapa do disco 'Sambas de enredo 2019' — Foto: Divulgação
Nada menos do que nove compositores – Jorge do Batuke, Valtinho Botafogo, Rogério Lobo, Beto Aquino, Claudinho Oliveira, José Carlos, Zé Miranda, D’Souza e Araguaci – assinam o samba gravado por Gilsinho para o disco e criado com base no enredo Na Madureira moderníssima, hei sempre de ouvir cantar uma sabiá, criado pela carnavalesca Rosa Magalhães para saudar Clara Nunes, cantora que se tornou um dos símbolos da Portela ao abraçar o samba a partir da década de 1970.
Entre alusões a nomes de músicas que se tornaram sucesso na voz iluminada da cantora, como Canto das três raças (Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro, 1976) e Morena de Angola (Chico Buarque, 1980), a letra cita e saúda nominalmente bambas da Portelas como o compositor Candeia (1935 – 1978), Paulo Benjamim de Oliveira (1901 – 1949) – o Paulo da Portela, referencial sambista da escola nascida de bloco do qual Paulo foi um dos fundadores em 1923 – e Natalino José do Nascimento (1905 – 1975), o Natal da Portela.
Dentro do padrão de samba-enredo adotado pelas escolas nos últimos 20 anos, o samba da Portela para o Carnaval de 2019 pode ser considerado bom.
Logomarca do enredo criado pela escola de samba Portela em homenagem à cantora Clara Nunes — Foto: Portela / InstagramLogomarca do enredo criado pela escola de samba Portela em homenagem à cantora Clara Nunes — Foto: Portela / Instagram
Logomarca do enredo criado pela escola de samba Portela em homenagem à cantora Clara Nunes — Foto: Portela / Instagram
Eis a letra do samba-enredo Na Madureira moderníssima, hei sempre de ouvir cantar uma sabiá:
Axé… sou eu
Mestiça, morena de Angola, sou eu
No palco, no meio da rua, sou eu
Mineira, faceira, sereia a cantar, deixa serenar
Que o mar… de Oswaldo Cruz a Madureira
Mareia… a brasilidade do “Meu lugar”
Nos versos de um cantador
O canto das raças a me chamar
De pé descalço no templo do samba estou
É rosa, é renda, pra águia se enfeitar
Folia, furdunço, ijexá
Na festa de Ogum Beira-mar
É ponto firmado pros meus orixás
Eparrei Oyá, eparrei…
Sopra o vento, me faz sonhar
Deixa o povo se emocionar
Sua filha voltou, minha mãe
Pra ver a Portela tão querida
E ficar feliz da vida
Quando a Velha Guarda passar
A negritude aguerrida em procissão
Mais uma vez deixei levar meu coração
A Paulo, meu professor
Natal, nosso guardião
Candeia que ilumina o meu caminhar
Voltei à Avenida saudosista,
Pro azul e branco modernista… eternizar
Voltei, fiz um pedido à Padroeira
Nas cinzas desta quarta-feira… comemorar

Nossas estrelas no céu estão em festa
Lá vem Portela com as bênçãos de Oxalá
No canto de um Sabiá
Sambando até de manhã
Sou Clara Guerreira, a filha de Ogum com Iansã
 — Foto: Editoria de Arte / G1 — Foto: Editoria de Arte / G1
— Foto: Editoria de Arte / G1