Blog Clara Nunes: Jornal o Tempo-MG : Caetanópolis, berço cultural de Clara Nunes

02 outubro 2017

Jornal o Tempo-MG : Caetanópolis, berço cultural de Clara Nunes

TRADIÇÃO POPULAR

Berço cultural de Clara Nunes

Caetanópolis, terra natal da cantora, conta com memorial, exposição e festival dedicado à intérprete de clássicos da música brasileira


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PUBLICADO EM 02/10/17 - 03h00
Clara/ abre o pano do passado/ tira a preta do cerrado/ põe rei congo no congá/ anda, canta um samba verdadeiro/ faz o que mandou o mineiro/ oh, mineira!”. Os versos pertencem ao samba lançado por João Nogueira em 1975 no álbum “Vem quem Tem”, parceria com Paulo César Pinheiro justamente intitulada “Mineira”. Três anos depois, Clara Nunes ganhou outra homenagem da dupla, dessa vez para ela mesma cantar. “Se vocês querem saber quem eu sou/eu sou a tal mineira/ filha de Angola, de Ketu e Nagô/ Não sou de brincadeira”, dizia em “Guerreira”, faixa que deu título ao álbum que ela lançou naquele ano.
Clara era mineira de Caetanópolis. A simpática cidade que fica a 100 km da capital, entre Paraopeba e Sete Lagoas, atualmente abriga memorial, exposição e um festival anual, que já está na 12ª edição, dedicado a sua filha mais ilustre. “O Festival Cultural Clara Nunes vai desde o erudito até o popular”, define a secretária de Desenvolvimento Municipal, Cultura e Esportes de Caetanópolis, Marilene de Araújo. A ideia do evento surgiu com a historiadora Adriana Andrade. Celebrado entre julho e agosto (mês de nascimento de Clara, no dia 12), neste ano participaram nomes como o violinista Marcus Vianna, o violeiro Chico Lobo, a cantora Mariene de Castro e a Velha Guarda da Portela – presente desde a primeira edição.
A festividade, gratuita, acontece na praça principal da cidade. “Esse festival em homenagem à Clara era meu sonho, foi a primeira coisa que apresentei à administração da prefeitura. Já morei em Belo Horizonte e na Austrália, e amo demais minha terra. As pessoas daqui merecem ter esse contato próximo com a obra que a Clara produziu”, exalta Adriana. “A cidade não conhecia o verdadeiro potencial da artista, o que ela representou na música brasileira e para a cultura nacional. Clara Nunes teve uma carreira internacional. A dança que ela fazia tinha influência do candomblé, mas vinha muito mais das pastorinhas”, observa Marilene.
“Nosso calendário cultural começa em janeiro com o encontro folclórico de pastorinhas, a folia de reis. Porque essa é a essência de Caetanópolis, o congado, a folia do divino. Inclusive o pai de Clara era um violeiro de mão cheia. Ao resgatar a obra dela, seguimos essa linha cultural deixada por ela”, assegura a secretária de cultura de Caetanópolis.
Memorial. A ligação da cantora com Caetanópolis, que, à época de seu nascimento (em 1942), ainda era o distrito de Cedro, pertencente a Paraopeba (a emancipação ocorreu em 1954), não se limitou ao início de sua existência. “Todos os anos Clara voltava à cidade para passar o Natal na casa de sua irmã, Mariquita”, recorda Adriana. Com a perda do pai, aos 2 anos, e da mãe, quando ela tinha apenas 6, Clara foi criada pela irmã mais velha, que faleceu em maio deste ano, aos 86 anos.
Foi Mariquita (apelido de Maria Gonçalves da Silva) quem guardou a maior parte do acervo que hoje compõe o Memorial Clara Nunes, que, em setembro, ganhou uma escultura em tamanho natural da cantora, feita pela artista Eliz Machado, para abrilhantar sua fachada. Com mostras cíclicas, atualmente o memorial abriga a exposição “Clara Mestiça”, baseada no show em que a cantora deu voz às canções do álbum “Brasil Mestiço”, de 1980, e que a levou até o Japão (durante a visitação, o repertório do espetáculo é ouvido). Outra curiosidade é que, com essa turnê, Clara chegou a se apresentar mais de cem vezes. O memorial apresenta bilhetes que ela recebeu pelo feito de nomes como Roberto Menescal e Moacyr Franco. Nas paredes, além de toda a discografia, há fotos que revelam as amizades que ela cultivou na música, com Elis Regina, Gal Costa, João Bosco e outros.
“Todos os objetos pertenceram a ela. Clara entendia seu canto como uma missão religiosa. A capa do LP ‘Brasil Mestiço’ foi tirada na Serrinha, no Rio de Janeiro, com a vovó Maria Joana, rezadeira e mãe de santo na umbanda da Clara. Tudo isso compõe esse nicho religioso que remete a um Brasil sincrético, mestiço”, define Silvia Brügger, professora da Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ), que mantém um projeto de extensão com o memorial. “Faço parte de um grupo de pesquisa do Instituto Clara Nunes (no qual se insere o memorial). Além de cuidar do acervo, também trabalhamos nessa parte pedagógica, com as oficinas feitas em parceria com as escolas”, conta Silvia. Com frequência, ela leva grupos de crianças a conhecerem a história da “mineira guerreira”.
“Quando a gente fala da Clara para as crianças, não estamos falando de uma cantora famosa que nasceu aqui, mas levando um olhar sobre a história do país e da própria cidade. Não é à toa que construiu um repertório tão ligado à cultura popular mineira. Claro que ela, no início da carreira, transitou por uma diversidade, cantando bolero, samba-canção, mas a identidade musical dela, que se tornou cristalina, é forjada nessa tradição familiar”, avalia a estudiosa.
“Clara participava de pastorinhas, de folia de reis. O que fazemos aqui é chamar atenção para uma cidade que é berço de uma cultura riquíssima e nem sempre se atenta a isso”, conclui.

 

A história de um romance em Minas

Doenças, traições, picada de cobra, ataque de jaguatirica, uma roda quebrada e falta de comida e água. “A história de Caetanópolis daria um romance”, é o que certifica a historiadora Adriana Andrade. No dia 12 de agosto (por sinal, dia do aniversário de Clara Nunes) de 1872, após mais de quatro meses de viagem, o maquinário, trazido de Juiz de Fora em nada menos do que 250 carros de boi, havia chegado à cidade que inaugurava, naquele ano, sua fábrica têxtil. Quando ela surgiu, havia apenas mais duas no Brasil, atualmente falidas. “Ela é a mais antiga do país, a única em atividade há 145 anos ininterruptos”, destaca Adriana.
Essa história é contada no museu da Cedro, em Caetanópolis, aberto a visitação com agendamento prévio. “Abrigamos o único museu têxtil da América Latina, isso não é pouca coisa”, ressalta a secretária de Cultura, Marilene de Castro”. Lá, além de todos os maquinários e tecidos, o visitante ainda tem contato com a trajetória dos fundadores da fábrica. “A saga da família Mascarenhas foi escrita por herdeiros, e cada um conta de um jeito. O primeiro Mascarenhas era um português que tornou-se tropeiro e casou-se com uma índia. Desse casamento nasceu Antonio Gonçalves, o patriarca da dinastia, que foi o homem mais rico do século XIX e era comerciante de sal. Foi um de seus 13 filhos, Bernardo Mascarenhas, que teve a ideia da fábrica”, informa Adriana.
“Nessa época, aqui se chamava Cedro e ainda era um distrito de Paraopeba, por onde passavam muitos tropeiros. Bernardo queria que a fábrica fosse em Juiz de Fora, mas foi o irmão mais velho, Antonio, quem bateu o pé para ser aqui”, observa a historiadora. Com o desenvolvimento do distrito, o padre João Chaves da Silva começou uma campanha pela emancipação, que só ocorreria em 1954. “A primeira atitude dele foi trazer um cemitério para cá, porque as pessoas morriam e não tinham como ser enterradas na cidade”, conta a historiadora.
O nome. Já a definição do nome também levou o município de volta às raízes. “Existia uma lei que proibia duas cidades de terem o mesmo nome, e já havia, no Ceará, uma chamada Cedro”, explica Adriana. Com isso, a solução foi promulgar uma homenagem àquele que foi o último dos 13 filhos de Antonio a falecer, com 96 anos, no caso, Caetano. “Por isso a cidade se chama Caetanópolis”, diz.
Nesse tempo, o local preservou uma banda que neste ano chega a seu centenário e, atualmente, abriga a mostra “Clara Ilumina Minas”, na Casa de Cultura Clara Nunes. Ao todo, são 17 obras, entre quadros, esculturas e objetos, de diferentes artistas mineiros que tiveram como inspiração o canto e a dança da cantora, cujo primeiro emprego foi, justamente, na fábrica têxtil da cidade. “Caetanópolis é um celeiro; além de oficinas de teatro e do coral, também promovemos saraus, aulas de capoeira, pintura e outras atividades culturais”, afirma a historiadora.
Curiosidades
Transporte. Ao todo, 250 carros de boi levaram o maquinário para a fábrica têxtil da cidade.
Antes da fama. Clara Nunes trabalhou como tecelã na fábrica.
Comemoração. A banda de Caetanópolis celebra em 2017 seu centenário
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