Blog Clara Nunes: maio 2015

18 maio 2015

"Brasileiro,profissao esperança" em BH

Foto: acervo pessoal de Tutti Maravilha 
Jornalista formado pela Universidade Católica de MG, o belorizontino Tutti Maravilha foi, nos anos 70, o responsável  por alguns dos melhores shows de Música Brasileira e teatro na cidade, conseguindo inserir BH no roteiro dos melhores shows de música da época.
Chico Buarque, Caetano Veloso, Gil, Elis Regina, Vinicius de Moraes, Maria Bethânia, Milton Nascimento, Gal Costa, Clara Nunes, MPB 4, Baden Powell, dentre outros, lotaram várias vezes os teatros da cidade sob a batuta de Tutti.


O espetáculo "Brasileiro, profissão esperança" foi um deles trazido nos anos 70, e ficou em cartaz no Teatro Francisco Nunes.

“Havia uma lenda de que mulher não vendia disco, muito menos ultrapassar a vendagem de cantores como Roberto Carlos. Mas Clara foi a pioneira”, explica o radialista Tutti Maravilha. Seu primeiro contato com a mineira que cantava samba foi a partir do musical Brasileiro: Profissão Esperança. Ele trabalhava na produção, junto da grande cantora Bibi Ferreira. No palco, Clara Nunes, vivendo uma de suas divas, Dolores Duran, dividia as cenas com o grande ator Paulo Gracindo. “Ela era muito simples, não tinha estrelismo nenhum”, lembra Tutti, elogiando um dos principais traços que a cantora nunca perdeu em sua carreira: a simplicidade. Para o radialista, ela faz muita falta para a música brasileira, por ter sido uma cantora única, com timbre e capacidade vocal imbatíveis até hoje.
Revista Encontro 

Memorial Clara Nunes - Visite

                                                      Dindinha, irmã de Clara


Gravação do Programa Conhecendo Museus, no Memorial Clara Nunes!


Amiga e secretária de Clara Nunes em texto emocionado


Acho que minha mãe foi a única pessoa capaz de entender o tamanho da dor sentida por mim quando da morte de Clara porque só ela estava ao meu lado naquele momento. Assim como ninguém melhor do que Bibi entende o tamanho do meu amor por Clara e o carinho enorme que Clara tinha por mim. Minha mãe não está mais aqui, deve estar de papo com Clara em alguma nuvem, mas Bibi me disse há alguns anos que nunca viu duas pessoas gostarem tanto uma da outra, como Clara e eu.
A morte de Clara em 2 de abril de 1983, quando eu tinha 22 anos e um filho, que seria afilhado dela e de Paulo César Pinheiro, de apenas 10 dias de nascido foi a maior pedrada que a vida me deu. Passei dois anos sem rumo. Perdi não apenas minha maior amiga, mas também a minha patroa e por consequência o meu emprego, aquele emprego que me deu a certeza de poder encarar ser mãe solteira aos 22 anos e ainda estudante de Jornalismo. Foi a maior puxada de tapete que a vida me deu. A maior dor que senti, igual só quando minha mãe morreu em 15 de abril de 2002. A diferença é que perdi Clara aos 22 anos, apenas dois anos após conhece-la, com toda uma história para construir. Quando minha mãe morreu eu tinha 42 anos e por mais que doesse – e dói até hoje! – era a lei da vida. Morrer aos 40 anos não é a lei da vida. É cruel.
Passei os primeiros anos em busca de Reencontrar Clara. Fosse em Centros Kardecistas, fosse em Terreiros de Umbanda ou de Candomblé. Era desesperador imaginar que nunca mais a veria. Vaguei por uns bons anos. De Carapicuíba a Recife, ao encontro de Pai Edu, passando pela Serrinha e por outros tantos lugares eu esperava ansiosa por um sinal, uma notícia, um beijo talvez, um afago da minha Clara.
Um dia compreendi que não viria. Não eu nunca mais a veria. Não nesse mundo. Veio a revolta e resolvi “esquecer” tudo o que me ligava a ela. Não queria – não podia na verdade – ouvir suas músicas. Vê-la em vídeo nem pensar. A cada ano o 2 de abril era uma tormenta que começava no dia 5 de março...
A primeira vez que fui ao São João Batista quase não sai de lá, achei que morreria ali. Eu que sempre tive pânico de morte e cemitério, eu que fui poupada de ver Clara num caixão sendo enterrada sofri as penas do inferno e me recusava a acreditar que a pessoa que melhor representava a vida pudesse estar naquele túmulo frio.
Deolinda Vilhena e Clara Nunes 

Esses primeiros cinco anos só não foram piores porque eu tinha meu filho, que fora tão amado por ela desde o dia em que a chamei para contar que estava grávida do Cacheado – que fizera o som do casamento dela com Paulinho! Mas sofri muito. Até o dia em que “briguei” com a Clara, em que decidi não perdoá-la por ter me “abandonado” à beira do caminho.
O tempo passou. Não posso dizer o mesmo da dor. Aprendi a conviver com ela. Mas havia sempre uma lágrima no canto do rosto, um aperto no coração, uma tristeza contida, amadurecida que continuava me impedindo de fazer meu luto.
Escrevi para revistas, escrevi para mim e para os outros, depois escrevi em blogs, no Orkut e agora no Facebook sobre esse amor, essa amizade e essa saudade. Briguei com os fãs fundamentalistas, fui “roubada” em minhas preciosas fotos – mais de mil – de momentos tão nossos e vira e mexa as encontro na internet, sem que eu nada possa fazer, nem mesmo processar os culpados. Afastei-me da família de Clara. Afastei-me de vez de Paulo César Pinheiro, dizem mesmo que ele me culpa de ter contado a Clara que ele tinha um caso com Luciana Rabello antes mesmo da morte de Clara. Mas não permiti - e não permito ainda hoje! - que roubassem a história linda que vivi com ela ao longo de dois anos.
Por tudo isso, a cada vez que me convidam para ver um show em homenagem a Clara, uma cantora que canta o repertório da Clara, sempre fico muito inquieta. Durante anos me recusei. Algumas vezes sai deprimida. Até entender que o problema era meu. Eu ia para cada um desses encontros buscando encontrar a MINHA CLARA e ela nunca veio a esses encontros.
Uma vez no ano do Brasil na França, em 2005, pela primeira vez vi em paz um show onde uma cantora, esqueci seu nome, cantava muitas músicas da Clara...
Muitos anos depois, já morando aqui em Salvador, numa véspera do 2 de fevereiro em companhia de minha amiga Hebe Alves fui a um bar no Rio Vermelho e ouvi uma cantora, Maira Lins, hoje minha amiga, cantando Clara, sem a força musical de Clara, sem a voz de Clara, mas com uma força humana, um charme e um carisma, além de um bom caráter visível que me fez cogitar produzir alguma coisa sobre a Clara. Algo que devo a ela, Clara Nunes mas acima de tudo a mim, talvez a única maneira de efetivamente fazer meu luto. Ninguém, exceto Paulo César Pinheiro, nesse mundo de vivos a conhece melhor do que eu...em seus dois últimos anos de vida fui sua maior amiga e confidente. Mas 2013 marcava os 30 anos de morte de Clara e surgiram tantas homenagens que não fui capaz de me empenhar o suficiente para fazer a minha própria homenagem. E foram tantas e tão ruins que decidi não fazer nada e mais uma vez calei. Talvez por isso não tenha prestado atenção à estreia de Deixa Clarear...mas não me recrimino, nem me culpo, acredito que as coisas acontecem quando têm de acontecer.
Pois hoje, dia 17 de maio de 2015, chegou o dia de assistir Deixa Clarear. Convidada por Isaac Bernat, como eu quis que ele estivesse aqui hoje, acompanhada de Maira Lins, fui ao Teatro Jorge Amado com o coração tremendo, mais contida, mais escolada, mas ainda incapaz de saber como reagiria ao ouvir o repertório de Clara e mais ainda: como reagiria a ver uma atriz representá-la.
E foi lindo! Clara Santhana é antes de tudo uma belíssima ATRIZ. Conversando com seu produtor, Sandro Rabello, soube que ela não era cantora antes de fazer o Deixa Clarear. Informação preciosa, porque ver uma atriz interpretando o papel de uma cantora sem ser cantora é outra coisa.
Clara Santhana tem 27 anos, ou seja nasceu cinco anos após a morte de Clara Nunes. Quero muito poder conversar com ela para saber como e quando essa história de amor nasceu, sim, porque só uma história de amor termina num espetáculo que é uma declaração de amor a uma pessoa que ela NÃO conheceu.
Clara Santhana NÃO se parece com Clara Nunes. Clara Santhana NÃO tem a potência vocal de Clara Nunes. Clara Santhana NÃO imita Clara Nunes. Clara Santhana NÃO É Clara Nunes. Mas como atriz ela me fez ver Clara Nunes em cena em diversos momentos, particularmente quando ela cantou Na Linha do Mar e A Deusa dos Orixás...Desde que comecei a trabalhar com Clara, durante a temporada do Clara Mestiça no Teatro Clara Nunes, não mais permiti a venda da poltrona A1. Casa lotada, cadeira extra, mas a poltrona A1 era reservada por Léa, bilheteira do teatro e tia de Paulinho Pinheiro, irmã de D. Célia, para mim. Vi mais de 80 vezes o show nessa situação privilegiada. E em determinados momentos Clara brincava comigo quando cantava, um desses momentos era quando ela cantava Na Linha do Mar...hoje Clara Santhana executou movimentos impressionantemente parecidos com os movimentos feitos por Clara nesse momento...Lá as lágrimas desceram e a saudade bateu forte no peito. A Cristina Ohana me disse que levasse o lenço e eu esqueci...foi difícil.
A presença cênica, a movimentação, os gestos de Clara Santhana são impressionantes. Eu vi Clara em cena em alguns momentos por conta desse gestual e dessa movimentação. E a cada vez que esse encontro acontecia, as lágrimas rolavam pelo meu rosto...
A direção de Isaac Bernat confere ao espetáculo a leveza e a delicadeza que eram a marca maior de Clara. Há esperança no ar. As pessoas saem do teatro felizes com o que viram. Deixa Clarear é a prova de que um musical NÃO precisa de nove milhões de reais de orçamento para cumprir sua primeira e mais importante função: emocionar a plateia. Vi muitos rostos tocados e emocionados. Pessoas que, como eu, mataram a saudade de Clara ou relembraram os muitos bons momentos vividos ao som das músicas de Clara. Sai do teatro de alma lavada. Trinta e dois anos depois, graças a uma menina de 27 anos que NÃO conheceu Clara Nunes, que nasceu cinco anos após a morte de Clara Nunes posso afirmar que fiz meu luto hoje. Trinta e dois anos após a morte de Clara eu fiz meu luto na plateia do Teatro Jorge Amado, ao lado da minha querida Maira Lins que canta tão lindamente a minha Clara, e esse luto que precisou de trinta e dois anos para ser feito, foi feito lindamente quando Clara Santhana cantou Um Ser de Luz...talvez por essa música ter sido composta por João Nogueira e Paulo César Pinheiro após a morte de Clara, mas quando ecoaram os primeiros acordes de Um Ser de Luz eu comecei a soluçar, chorei o choro que não consegui chorar na manhã de 2 de abril de 1983, quando com meu filho com apenas 10 dias no colo, após amamenta-lo, pela última vez – o leito empedrou, secou – ouvi de minha mãe a notícia dada por Dindinha por telefone: Clara havia morrido às 4h30 da manhã daquele sábado de aleluia, que para mim passou a ter cara de quarta-feira de cinzas.
Obrigada Clara Clara J Santhana, obrigada Isaac Bernat, obrigadaSandro Rabello, obrigada Milena Leão da Carambola Produções que trouxe Deixa Clarear, peça Musical sobre Clara Nunes a Salvador...que Clara continue a iluminar os caminhos de vocês e contem comigo, no que eu souber e puder fazer, nos encontraremos em Caetanópolis, dia 12 de agosto, com certeza.
Deolinda Vilhena -