Tenho a imagem da Clara Nunes muito definida na minha mente desde cedo. Ela, junto com Elis Regina, era uma das cantoras favoritas da minha mãe. Desde pequena associei músicos a pessoas próximas (eu jurava que minha tia era a Sandra de Sá disfarçada!) e sempre achei a cantora parecida com minha mãe (talvez pelos cabelos volumosos, que inclusive eu herdei) — além do fato das duas serem portelenses apaixonadas.
Quando entrei na faculdade de moda surgiu uma necessidade muito grande de conhecer mais da cultura brasileira. Uma professora em especial percebeu o meu fascínio pelo Brasil (e por religiões!) e me instigava a pesquisar e estudar mais sobre o assunto. Acabei tomando gosto e esta foi uma fase deliciosa. Como só estudava nesta época, aproveitava o tempo livre para percorrer exposições, ler livros, ir a shows, googlar muito e resgatar (aka. baixar) muita música brasileira dos anos 60/70 (meu período favorito nas aulas de História do colégio). E neste imersão acabei conhecendo de verdade Clara Nunes.
Tão impactante quanto a sua voz era sua imagem. Clara era do interior de Minas e foi ganhando concursos até chegar ao Rio de Janeiro em 1965. Ela cantava boleros no início, mas foi quando começou a cantar samba, em 1968, que sua carreira deslanchou. Deve ter sido por esta época que ela se converteu ao candomblé e começou a incorporar elementos característico da religião no seu estilo, como as guias (colares de miçangas), os babados e as saias rodadas, braceletes, búzios e as roupas brancas.
Ícone do Brasil dos anos 70, Clara Nunes era uma das cantoras mais populares do país e a primeira mulher a bater recordes de vendagem de discos (existia a lenda de que mulher não vendia discos). Ela morreu no auge da carreira, em 1983, mas deixou um legado seguido até hoje por cantoras como Marisa Monte (que gravou uma música dela no seu primeiro CD) e Vanessa da Mata. Esta inclusive vai representar Clara no desfile da Portela cujo enredo inspirado na intérprete (a rua da quadra da escola ganhou seu nome) e nas festas da Bahia, homenageando-a quando ela completaria 70 anos — o samba é lindo!
Clara valorizava demais a brasilidade, nas suas músicas, no seu estilo e até nos cenários dos seus shows. Durante o seu período de sucesso (de 1968 a 1983 quando não existia internet) o Brasil era governando pela ditadura militar e a sua censura, enquanto o resto do mundo vivia seus momentos de transgressão e rebeldia com o movimento hippie e punk. Outro dia estava pensando se esta limitação de conhecer o que vinha de fora (que não fosse devidamente aprovado pelos censores) não acabava forçando as pessoas a olhar (admirar e consumir) mais a nossa própria cultura…
CARLA LEMOS
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