A cantora Clara Nunes: tema para a cineasta carioca Cristiana Grumbach
Filme resgata “moça tímida que saiu do interior de Minas”
para alcançar sucesso em todo o país
A solução encontrada pela diretora é acompanhar as
diversas fases da Guerreira
Paulo Henrique Silva - Repórter -Jornal Hoje em Dia- BH
A história da cantora mineira Clara Nunes, a primeira mulher a vender mais de 100 mil cópias de um disco no Brasil, parece começar e terminar nos meses de março e abril de 1983. As circunstâncias de sua morte, aos 39 anos, se tornaram tão fortes que obscureceram a rica trajetória musical – após dar entrada num hospital carioca para uma simples cirurgia de varizes e sofrer um choque anafilático que alimentou os mais diversos boatos, de aborto à troca de pancadaria com o marido e compositor Paulo César Pinheiro. Polêmicas que passarão longe do primeiro filme sobre Clara Francisca Gonçalves, seu nome de batismo. A produção começará a ser rodada no próximo semestre, com direção de Cristiana Grumbach (“As Cartas Psicografadas de Chico Xavier”).
A cineasta carioca pretende reapresentar a cantora, recuperando sua carreira artística, iniciada na cidade natal, em Caetanópolis, quando “era uma moça tímida que saiu do interior de Minas Gerais”, até chegar à mulher forte e bem-sucedida, “de cabelos soltos e indomáveis como se fosse uma leoa”.
Cristiana reforça que o filme não quer retratar a vida de Clara sob o ponto de vista pessoal. “As fofocas já foram contadas em jornais e livros”.
O roteiro, que ainda está sendo escrito, esbarra num problema: o fato de que familiares, caso da irmã Mariquita e Paulo César Pinheiro, não se sentem confortáveis para dar entrevistas. “Como não é possível fazer um documentário no sentido clássico, com depoimentos, resolvemos realizar uma espécie de híbrido”, explica Cristiana.
A solução encontrada pela diretora é acompanhar as diversas fases da Guerreira, como a proximidade com as tradições afro-brasileiras e o samba, através da própria música. “A questão agora é como transformar isso numa narrativa. Pensamos em chamar uma atriz e fazer o que chamo de um filme em busca de uma personagem, em que eu e essa intérprete vamos tentar nos aproximar do universo estético, artístico e espiritual que Clara transitou. Ainda estamos num momento muito delicado do roteiro, sem conseguir visualizar como ficará”, revela.
Protagonista deve ter “raiz mineira”
O nome da atriz que viverá Clara Nunes ainda não está definido. O certo é que ela não precisará, necessariamente, ser cantora, já que a diretora Cristiana Grumbach prefere usar a voz original da intérprete de sucessos como “Morena de Angola” e “Portela na Avenida”, recorrendo a gravações que serão apresentadas em quase sua totalidade.
“A atriz estará lá para que a voz de Clara seja construída num corpo, nos dando as impressões deste personagem mítico”, afirma. Para Cristiana, é importante que a escolhida tenha uma raiz mineira, “impregnada por estas mesmas células que formaram Clara”.
Uma candidata a Clara Nunes é Juliana Tolentino, atriz nascida na região de Caetanópolis e uma das idealizadoras do projeto, que tem uma semelhança física com a sambista.
“Ela é minha vizinha de prédio e, quando me chamou para dirigir o filme, disse que não me via fazendo biografias clássicas, na forma de documentário ou ficção. Não é o cinema que me interessa”.
Cristiana só foi convencida a assumir o projeto ao ganhar liberdade de pensar outras possibilidades de linguagem. “É um alívio imenso não trabalhar com entrevistas”, comemora.
A cineasta se fará presente no filme, compartilhando situações e descobertas, se mirando nos trabalhos da belga Agnès Varda e do lituano Jonas Mekas.
De Agnès, cita “Os Catadores e Eu” (2000), em que a singeleza na abordagem da diretora a transforma em mais um personagem entre os catadores de frutas. Assim como eles, a realizadora também se vê como alguém que recolhe coisas que a sociedade rejeita.
Um tema que ganhará espaço no filme é a busca espiritual de Clara. “Ela tinha uma necessidade espiritual, devido ao seu vazio, passando muito tempo perdida, sem saber qual caminho realmente deveria fazer”.
Cristiana pesquisou o mapa astral da cantora e descobriu que ela nasceu num dia de eclipse, indicativo de uma trajetória que romperia tabus, abrindo novas perspectivas para artistas do sexo feminino.
“A lua é a representação do feminino, enquanto o sol é a do masculino. Quando há o eclipse, a lua se coloca à frente do sol, se interpondo à luz deste, roubando a cena. As cantoras contemporâneas que fazem sucesso hoje devem muito a Clara Nunes”, salienta a diretora.
12/01/2011 Jornal Hoje em Dia
Um comentário:
Inauguração do BUSTO DE CLARA NUNES 5 de fevereiro no Portelão, durante a tradicional Feijoada da velha Guarda.
www.gresportela.com.br
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